O erótico se sustenta sem verdade. Ele é uma aparência, um fenômeno do véu.
Byung-chul Han, A salvação do belo
O sentimento de desamparo é devastador, capaz de perfurar as profundas estruturas da existência humana. Muitas vezes velado, manifesta-se das mais diversas maneiras. Estar cercado de pessoas não é reconfortante, pois quando o sentimento está instalado em nossas almas, coloca-nos no deserto existencial e no abandono.
Eu o conheci muito cedo, ainda no período de uma infância turbulenta. Tornou-se companheiro e, em muitos momentos, assim permanece, marcado na alma e reafirmado como forma de ser e estar no mundo. Relacionamentos curtos ou duradouros nunca serviram para arrancar a dor ou ao menos para iniciar um processo de cicatrização. Pelo contrário, sempre foi por meio deles que o desamparo foi sendo revivido como única possibilidade de vida. Uma escolha inconsciente, aquela que guia a construção das nossas relações afetivas, sempre moldadas de modo a perpetuar uma certa estrutura, por mais dolorosa que possa ela ser, quando não sabemos ser de outra forma. Uma súplica por amor e afeto torto e dolorido em um caminhar solitário. Uma zona de conforto e erotismo, um buscar sem nunca achar, longo, infinito, doído.
Quando o desamparo pareceu ser definitivo, uma onda transformadora arrastou para dentro de mim um universo novo. Pude compreender que uma vida de acolhimento é, sobretudo, oferecer para si e para o outro um abrigo, uma proteção que nos desloca desse local desolador de confrontação com a vida, onde nada nem ninguém nos auxilia. Encontrar este abrigo, no sentido mais amplo, é redescobrir a vida e permitir que os percursos possam ser menos dolorosos. O amor existe de outras formas.
Hoje, imerso neste abrigo, esforço-me por tocar nesta ferida com a fotografia. A cicatriz está lá e, para mantê-la assim fechada, preciso dessas imagens para me lembrar do que já fui e daquilo que não desejo mais para mim e nem para os outros que hoje habitam em mim.
Distante de qualquer efeito espetacular que possa se extrair daí, este trabalho é fundamental para minha existência, hoje.
Marcelo Greco
novembro, 2019